[Para Marco].
*Romance infanto-juvenil (Realismo Fantástico)
*Romance infanto-juvenil (Realismo Fantástico)
[Em relação ao amor, é
uma estrada muitas vezes escura e sempre desconhecida. Não se sabe onde pisar,
até pisarmos... não se sabe até onde se pode chegar, pois o amor romântico parece
ser uma estrada infinita cheia de surpresas escondidas. Realmente amar e se
dedicar a alguém é tarefa árdua, que pede muito equilíbrio emocional, respeito
mutuo, cumplicidade e entrega... há quem
enlouquece, há quem desiste pelo caminho. Mas há também aqueles que mesmo com
medo no coração, seguem caminhando com os olhos furados e pés descalços em
brasas... porque amar é algo inexplicável, como alguém com o coração eternamente
queimando em chamas azuis].
Zuzu caminhava lentamente, sentindo o aroma da terra úmida
conversando com as solas dos seus próprios pés descalços. Abandonava-se àquele belíssimo
momento solitário em que as horas se liquidificavam pela chegada da noite. Ela
via o sol se pôr no horizonte, aquele Astro gentilmente convidado pelo Universo
a retirar-se da órbita da Terra e do dia; a luz de um rei derrotado escoltado pela
melodia da ventania acariciando o matagal ao longe. Ao mesmo tempo em que Zuzu era
privilegiada ao testemunhar este maravilhoso encanto da Natureza, a mocinha de
quinze anos, tal como o mesmo sol derrotado que ela via desbotar no céu,
assumia para si finalmente, que estava apaixonada por Leans – o anjo que sempre
estava consigo; mas somente ela via e ouvia.
– Então você admite? – sussurrava Leans.
– E por acaso adianta eu negar alguma coisa para você?
Afinal você ouve e sente tudo o que acontece dentro de mim... – a menina muito
enterrada em si, com a voz ensanguentada continuou como se afogando nela própria:
– Sim, Leans. Eu o amo.
Flutuando com suas belíssimas asas, o anjo rodopiava em
torno da menina; e mesmo com sua aparência jovial, tinha o peso de todos os séculos
nos olhos, igualmente a sabedoria no peito emplumado. Leans a olhava com
tamanha ternura e entrega, com seus olhos de orvalho... orvalho que nasce nas manhazinhas
para lembrar ao tempo corrido de todos os dias, que a noite existiu e que
beijou àqueles que dela se mantiveram à deriva; feito o amor do Dia pela Noite que
chora esse mesmo orvalho para morrer logo em seguida, antes que o sol acorde
queimando qualquer esperança de ambos um dia se tocarem.
– Compreendo sua tristeza, pois também a tenho, Zuzu. Você acha
que não sofro feito você? Que não tenho vontades de lhe sentir a pele, de beijar-lhe...
de fazer amor com você? Isso é muito torturante pra mim. Um ser alado e divino
por essência, mas que está ligado à Terra por causa do amor
indevido por uma mortal.
– Mas você mesmo me disse um dia, que somos imortais também!
– silenciava a menina constatando mais uma espinha em seu rosto adolescente.
– Sim, vocês o são... mas estão sob outra condição material
que não a nossa. – baixava os olhos Leans, como se quisesse esquecer-se de tal
constatação.
Após as solenes sentenças, Zuzu continuava caminhando em direção
ao nada, seguida por Leans que às vezes sumia nos céus indo ao longe, mas
sempre mantendo sua pequena sob custódia de suas vistas. Foi quando quase distraída,
Zuzu se deparou com alguém emborcado atrás de um pequeno montinho de capim. Não soube
identificar quem fosse num primeiro momento; então a adolescente continuou indo
na direção do vulto. Foi neste instante que Leans pousou perto e também viu
aquele individuo dormindo enroladinho sobre o monte de mato.
– Quem é ele, Zuzu?
– Sinceramente Leans, eu nunca o vi por aqui.
Ambos se aproximaram. Zuzu atirou-se tocando aquela pele fria
bem azuladinha e clara, acordando o sujeito. Então a criatura virou-se com seus
olhos todinhos pretos e amendoados, pareciam sorrir por encontrar alguma gente. E
sem o menor constrangimento, a jovem propôs dialogo:
– Oi. Meu nome é Zuzu
e este aqui no meu lado é Leans, o anjo. Mas ele só eu posso ver e ouvir... mas
ele tá aqui do meu lado, viu!?
A criatura ergueu-se, equiparando-se à mesma estatura da
menina; mais magrinho que Zuzu, entretanto. E todo sólido. Parecia ser de metal
de tão lisinha sua pele e brilho. A criatura apenas a olhava, parecendo sorrir
com os olhos; e isso Zuzu entendeu, pois sorriu de volta.
– Zuzu, acho que ele não fala. – Concluiu Leans também muito
curioso.
– Não sei... tenho a impressão de que ele fala sim... mas não
sei por onde. – Zuzu ajeitava seus cabelos negros e longos que caiam sobre seu
ombro incomodando-a, ao mesmo tempo a menina sentia algo vindo da criatura,
porém não sabia exatamente o quê. Dificilmente saberia, pois a criatura se
comunicava através de sentimentos extremos, refinados. Suas vias sensíveis eram
vinte vezes mais desenvolvidas do que na população da Terra; e havia um
agravante maior: o fato de que na Cidadela, ‘emoções’ eram contra a Lei, sendo
todos os cidadãos punidos ao serem pegos portando esse algo ilícito.
– Levamos ele conosco, Leans?
– Eu não sei. O que você acha que sua tia vai dizer?
– Poxa... veja-o. Parece ter a mesma idade da gente...
– Você quer dizer a SUA idade, né? Esquece-se de que sou um anjo
secular? Sei que às vezes minha aparência de rapazinho a confunde, mas não esqueça
de que tenho pelo menos uns oitocentos anos a mais que você. – Sorria. E seu
sorriso atravessava feito punhal no coração da menina, pois Leans era lindo...
entretanto, Zuzu não podia tocar-lhe.
Retomando seu semblante tristonho, Zuzu pegou na mão da
criatura e seguiu conduzindo-a até sua casa. Estava certa de que sua tia abrigaria
o alienígena até saberem como ajudá-lo de fato. No caminho Leans e sua garota retomaram
o assunto de antes. A menina receava descobrirem que carregava sentimentos
consigo, mesmo que ainda muito pequenos... temia que delegado Chico Cornelius desconfiasse
e a mandasse prender por ela estar de posse de algo ilícito.
– Perdoe-me, Zuzu. Se eu não estivesse aqui você nunca
sentiria nada e estaria salva da prisão... – O anjo sentia-se impotente diante
daquilo.
Lá pelo meio do caminho, os três passaram defronte à
propriedade de dona Virtude – a senhora muda, que era dona de uma fazendola,
onde ela mesma cultivava às escondidas alguns sentimentos bem no fundo do seu
quintal. Ela estava a regar seu pequeno canteiro próximo ao portão quando viu
os jovens, e através de gestos bastante efusivos, a senhora acenou para Zuzu e
a criatura, indo eles se chegando para junto dela.
– Oi dona Virtude. Como está a senhora hoje? Está uma linda
noite, não? Veja como o céu está
limpinho, deixando escapar as estrelas. Sim eu também gosto... – A mocinha
respondia a conversa a cada abanação das mãos de dona Virtude, enfatizando
alguma nova sentença.
– Sim... Leans está aqui comigo... a senhora sabe que ele
sempre está... e esteve e sempre estará... enfim. – Zuzu pronunciava isso com
tamanha tristeza no coração, e seu vacilo denunciava em seu rosto que ela
estava portando algo ilícito, embora em pequena quantidade, mas se fosse pega
em flagrante pelo delegado Chico Cornelius, já era prova suficiente para a
mocinha estar encrencada.
Dona Virtude pediu com gestos para que a menina aguardasse
um pouquinho, enquanto ela sumia para dentro da casa. De volta em breves
instantes, a anciã trazia a muda de uma plantinha brilhante de folhas
cor-de-rosa. E vendo aquele vegetal, prontamente o alienígena fez questão de abrigá-lo
em suas mãos azuladinhas. Dona Virtude ficou-lhe tão sentida com aquela demonstração
repentina de afeto que acariciou a pele lustrosa e geladinha da criatura, num ímpeto
de conceder-lhe um beijo nas faces. Então a criatura lhe respondeu com um
sorriso escapado do canto de seus olhos. O engraçado é que dona Virtude também
compreendeu a criatura, mesmo sem palavra alguma. E sorriu-lhe de volta.
– Obrigada, dona Virtude pela planta. Prometo que irei
cuidar para que cresça defronte de casa. Aposto que nos dará uma ótima sombra
nos dias quentes e abafados... sobretudo, solitários... Tchau. Boa noite. –
Zuzu falava quase sem vontade, devido lembrar-se a todo momento de sua enorme solidão
sempre acompanhada de seu grande amor, um anjo que nunca poderia tocar.
Os três embrenhavam-se no caminho de terra iluminado
apenas pelo parco brilho das estrelas, pois naquele ponto afastado do centro da
Cidadela ainda não havia luz. A criatura não demonstrava insegurança por estar
num local que não conhecia e com gente que não falava sua língua, ia amparado
pela mão da adolescente. E, Zuzu e Leans há muito caminham juntos no escuro da
mesma trilha, e não havia nada mais que os surpreendesse nessa vida, a não ser
algum dia os dois poderem experimentar o beijo um do outro.
[continua...]
Katiuscia de Sá
Escrito entre: 07 e
11 de julho de 2013
*ouvindo sempre “Stairway
to Heaven”, (Led Zeppelin) e “Wish You Were Here” [LIVE], (Pink Floyd).
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